segunda-feira, 7 de março de 2011

Epitáfio idealizado

P.S.(sim, antes do texto): Antes que haja qualquer pergunta ou dúvida sobre isso, esse garoto não sou eu. Eu inventei ele às 4 dessa madrugada. Ou seja ele não existe, porém eu o admiraria se existisse.
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Eu já perdi a noção do tempo que estou acordado, dirigindo nessa estrada. Saí de casa há dois dias e vou por essa estrada numa sede sem tamanho de chegar num lugar que ainda nem defini.
Imagino que em algum lugar acima de mim e do meu chevete 82, o sol esteja se pondo. Não consigo vê-lo, pois chove a cântaros onde estou. Chove como se não houvesse amanhã, Como se Deus tivesse falado a Noé que iria cair um toró do cacete e ele agora estivesse pondo um casal de cada espécie de animal num tipo de barco gigante.
Sinto medo. Nunca dirigi sozinho antes e agora eu necessito de uma grandessíssima experiência no volante para não deixar o carro derrapar e eu me estatelar em um abismo qualquer. Aliás, não seria nem o primeiro nem o último abismo qualquer que eu me estatelaria.
Toca Beatles no rádio. Here comes the sun. Acho essa música fantástica! Penso em como os Beatles são Fantásticos. É curioso o fato de que tudo que é fantástico acaba, seja de um jeito fantástico ou não. John Lennon, por exemplo, acabou de um jeito tão maluco que chega a ser fantástico. Imagina ser morto por um pirado que se diz fã do seu trabalho, que te ama... Vendo por esse lado eu chego a por em questão se é realmente ruim ter sido considerado o antissocial esquisito durante toda a minha vida. Pelo menos ninguém me mataria por amor. Isso é bom?
Rio de meu pensamento tolo. Rio de felicidade por pensar. Rio por pensar. Rio.
Sabe, essa música me deixa um pouco nostálgico, lembro da minha infância, difícil infância. A letra diz “ lá vem o sol, tudo está bem”. E eu percebo que por poucas vezes ou talvez nunca o sol tenha chegado à minha vida, não diretamente assim. Talvez seja assim com todo mundo, não sei.
Pelo menos imagino que se ele tivesse chegado, talvez anteontem eu tivesse dormido ao invés de esperar que meus pais e minha irmãzinha dormissem, pegar minha mochila, a chave do chevetão e os cem contos da economia para sair por ai nesse mundão de meu Deus para viver uma aventura besta, que provavelmente terminará na semana que vem com umas cintadas de papai. Definitivamente o sol não chegou à minha vida.
Ou talvez sim! Talvez tenha chegado! Talvez eu esteja ensolarado demais pras ideias escuras de uma “vida perfeita”. Perfeita é o caralho. Me matar de estudar, passar pra uma faculdade que me dará um bom emprego, casar, ter um casal de filhos, cair na mesma mesmice que os meus pais caíram, que os pais deles caíram, que os seus pais caíram e que ainda chamam de felicidade.
Quem foi o idiota que disse que a vida tem que ser assim? Quer saber? Vai ver é bom mudar um pouco esse script e é isso que eu estou tentando fazer. Nem que essa palhaçada termine com umas marcas de cinto na sexta que vem.
É, o sol bateu à minha porta.
Porém com toda essa revolução passando pela minha cabeça, eu sei que não vou conseguir. Não posso, não tenho coragem e talvez eu nem queira mudar o script. Sou apenas um ator. E atores representam. Podem representar bem, ganhar prêmios, Mas jamais podem mudar sequer o sentido de suas falas.
É impressionante como me distrai aqui em minhas divagações, errei na manobra de uma curva e agora estou de fato caindo no abismo qualquer. É impressionante como tudo muda de um segundo para outro. No minuto passado eu estava cerrando os olhos para conseguir enxergar através da chuva e da neblina para ver a estrada, prevenir minha vida, sem nem imaginar que agora eu estaria girando dentro do chevetão, e muito menos que no minuto seguinte eu estaria aos pés da ribanceira como que reverenciando o adversário vencedor.
Uma vez eu vi num filme um cara dizer que parecia clichê (e realmente era), mas que essa história de que no momento anterior à morte passa-se um filme de a vida na cabeça. Pois eu vos digo (e você concorda) que é clichê mas é de fato a verdade. Acontece comigo agora. Acho até bastante válido esse pequeno filme, é como se fosse uma revisão, uma resposta pra tal pergunta do que se fiz ao longo da vida.
Lembro-me do meu aniversário de quatro anos. Lembro-me de abrir os olhos e ver as paredes pintadas de verde claro do meu quarto iluminadas pelo sol radiante que inundava o quarto pela janela. Lembro de meus pais ainda mais radiantes entrando no quarto com um sorriso na boca e lágrimas no olhos. Vieram e me deram uma abraço triplo, uma demonstração do amor e da felicidade que sentiam pela ocasião.
Sempre achei que o abraço fosse o maior de todos os presentes que eu pudesse receber. É a demonstração mais pura e bela de amor. Do “preciso de você”. Do “eu quero te sentir”.
Lembro-me da primeira vez que experimentei café. Odiei o gosto. Fiz careta de nojo. Meu avô ria de mim. Saudades do vovô com seu cheiro de cigarro misturado com Phebo. Saudades da vovó também. Sempre guardo dela aquele sorriso bondoso, aquelas xicrinhas decoradas com flores na mão e os sapatos trocados nos pés. Saudades. Talvez eu os encontre daqui é pouco... Besteira. Nunca fui nem serei digno de ir para o mesmo lugar que esses dois foram.
Voltando ao café, o curioso é que depois de alguns minutos eu gostei do gosto que havia deixado em minha boca. Encostava a língua no céu da boca e tornava a afastar. Repetia o movimento. Apreciava aquele gostinho gostoso que ali jazia. Pensei que as pessoas deviam beber café pelo gosto que elas sentiam depois de um tempo. Elas fazem isso o tempo todo.
Penso no que deixo pra trás. Amigas e amigos talvez. Não sei se de fato os tenho. Penso em sexo. Nunca fiz, mas ouço dizer que é a melhor experiência que se pode passar. Uma pena que esteja deixando para trás uma coisa da qual eu nem passei dos treinos. Dizem que sexo é bom, maravilhoso, divino, belo. Porém duvido que seja mais belo que a risada que vi minha irmãzinha dar no café da manhã do dia em que saí de casa. Deixarei ela pra trás. Ela e toda essa alegria de toda criança.
Por fim, penso Nele. Ele sempre foi um enigma para mim, embora eu nunca tenha questionado ou duvidado de sua existência. Apenas sempre soube que Ele existia, O admirava e fazia o que podia para me aproximar dessa magnificência quando tinha oportunidade.
Houve uma ocasião em que eu estava num grupo de oração. A oradora dava uma espécie de palestra sobre um tema interessante quando eu entrei em uma espécie de transe, êxtase. Meus sentidos afloraram, pensamentos ficaram distantes e eu já não me sentia como naquele aposento. Tocava o polegar nos outros dedos, percebia meu tato. Percorria os dedos pelos cabelos e sentia aquela infinidade de fios passando por meus sentidos. E foi quando toquei minhas pálpebras, as portas das janelas da minha essência, que O percebi. Percebi que ele estava ali, dentro e fora de mim. Me tocando através das minhas próprias mãos.
Guardo esse último segundo de minha vida para admirar esse Ser supremo. Admiro-o por mim, admiro-o pela chuva que continua caindo insistentemente enquanto eu e o chevetão tocamos o chão, admiro-o pelo próprio chevetão velho. Ele, o Cara lá de cima, deve se sentir lisonjeado quando percebemos e admiramos sua perfeição.
PLUM, PAF, PUF, BOOM e outros milhares de onomatopeias de estronde se seguiram. Cheguei ao chão.


O despertador toca. 6h20min da manhã, hora da aula. Volto à vida real, normal, perfeita. Eu disse que não iria escapar.