terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Na prateleira à altura dos olhos

       A absorção nas gotas de chuva na janela junto ao barulho do motor do ônibus já tinha expulsado de sua mente todos os pensamentos que agora a pouco a habitavam. Ele olhava na direção da rua e vez ou outra mirava na direção dos letreiros pelos quais passava. Ele estava ocupado demais lendo "Chaveiro 24 horas", para se aperceber de que alguém agora se sentava ao lado.
- Cheio o ônibus, né?
       Ele olhou em volta, viu a nuca daquela única senhora que sentava no banco atrás do motorista e parou o olhar em sua acompanhante.
- Eu achei que você não ia vir falar comigo - disse o rapaz
- E eu achei que seria falta de educação minha - contestou a acompanhante - Pelo menos foi isso que eu pensei quando você entrou no ônibus e viu que eu estava ali na frente, mas mesmo assim sentou aqui atrás.
- Sempre gostei dessas poltronas mais altas aqui do fundo.
- Sempre odiei você nunca ter as respostas válidas, mesmo que sejam desculpas.
       Ela estava ali ao seu lado mais uma vez. A menina da adolescência. A menina da camisa do The Cure. A mesma que ele duvidou que um dia amasse. A mesma que ele dispensou por puro orgulho de não aceitar quem era e o que era. A mesma que um dia lutou mais que tudo para tê-lo de qualquer forma, mas que um dia, cansada, desistiu.
- Já terminou a faculdade? - retomou ela.
- Último período. Depois vou ter que voltar praquele fim de mundo, a cidade grande já tá grande demais pra precisar de mim... Tu ainda tem o mesmo cheiro - aproximou-se dela e inalou seu aroma - Menta com cigarro.
- Eu to aqui só de passagem, vim visitar a Glorinha, aliás, o papo tá muito bom e interessante, mas eu vou voltar lá pra frente - ignorou ela.
- Tu já ta descendo?
- Não, faltam umas cinco paradas ainda.
- Tu fica aqui até quando?
- Sexta - disse ela se levantando.
- Quer fazer alguma coisa?
- Quero, mas não com você.
       Ela já tinha começado a andar pelo corredor quando ele perguntou naquele tom mais alto de última tentativa o porquê de ela vir falar com ele. A reposta veio em ar entediado:
- Porque eu sou educada, eu já disse. - respondeu ela, parando e virando-se.
- Você não tem saudade?
- Uma pessoa só lê um livro de novo se ela gostou muito do livro e do final. Eu tenho saudades de muitos livros que li, mas que nunca lerei de novo só pelo enfadonhamento de já saber o que vai acontecer.
- E o que você faz para matar essa saudade que tá dentro de você?
Pausa.
- Eu abro numa página qualquer e, por pura ironia do destino, leio de novo um trecho qualquer, até que uma hora eu começo e me interessar de novo por aquele livro. E ai, como de supetão eu fecho o livro, ponho na estante de volta e vou pesquisar outros melhores que eu possa ler. Um dia, eu até acho um que me permita escrever uma parte do final...
- Eu subi sozinho na sua estante, né?
- Sim, mas tá numa parte da estante que fica visível para todas as vezes que eu passo por ela. E o medo de reler esse livro em especial é tanto que eu só reli um trecho uma vez. - disse ela dando um sorrisinho simpático e virando para continuar seu caminho.
       O rapaz voltou a olhar as gotas de chuva na janela, pensando se deveria realmente ter escrito um final sozinho, imaginando como um final diferente poderia ser, imaginando como seria se ainda não existisse um final, tentando aceitar o fato de livros não saírem sozinhos da estante e se imporem a ser lidos mais uma vez...

Um comentário:

Aline disse...

Eu amei esse texto... Senti falta de ler coisas suas,viu...
Às vezes a gente também deixa de ler um livro por já saber o final.
Uma vez eu vi em algum lugar que não importa quantas vezes você releia um livro, sempre descobrirá coisas novas nele. Será que nesse caso é assim também?
Um beijo!